[Conto] O presente de Natal.

by - dezembro 24, 2016


_Já sei! Vitória vai ser o presente de Natal. – Roberta exclamou, assim que eu cheguei ao quarto.
_Eu o que? – Perguntei, enquanto fazia uma careta.
_Ela o que? – Camila perguntou, mais surpresa ainda.
_É sim. – Roberta continuava exclamando, que nem uma doida, segurou meu pulso, fechou a porta do quarto e continuou. – Vai ser o presente perfeito, vamos arruma-la como uma boneca, com laços e tudo, de preferência verdes e também tem a música e as luzes, nossa Vi, você pode usar as suas luzes mágicas.
Minha irmã falava sem parar enquanto eu olhava para ela, ainda sem entender muita coisa.
_Roberta calma, acho que ela não está entendendo nada. – Camila disse.
_Tem razão Camila, eu não estou entendendo nada. – Falei.
_Acontece Vitória que a mãe de Camila é secretária de cultura e esse ano ela pediu nossa ajuda para montar o festival de Natal da cidade. – Roberta falou, enquanto se sentava na cadeira a minha frente.
_Vocês duas? – Fiz uma careta, oh, com certeza seria um desastre.
_Mamãe chamou a Mari também, mas como ela foi viajar pedi sua irmã para me ajudar. – Camila respondeu.
_Hm, a famosa segunda opção. – Eu disse, só para implicar um pouquinho.
As duas viraram os olhos e então Camila disse, enquanto me olhava:
_Se ajeitarmos bem, ela pode até ficar parecida com um anjo.
Um anjo? Ela estava mesmo falando sobre mim?
_Sim! – Minha irmã sorriu. – Um anjinho lindo e ela vai cantar e encantar a todos, será o presente mais lindo que Carmelinho já recebeu.
_Você teve mesmo uma ótima ideia Beta. – Camila sorriu e minha irmã ficou mais contente ainda. Elas só estavam esquecendo de um detalhe.
_Tudo está lindo. – Eu disse. – Mas tem um probleminha.
_O que? – As duas perguntaram juntas.
_Eu não quero participar disso.
Foi só eu falar essa frase que começou o drama, minha irmã praticamente implorou, e Camila se jogou aos meus pés, eu até que estava gostando de tudo aquilo, as duas me bajulando, mas ser o presente de Natal da cidade não estava nos meus planos de final de ano e nem iriam estar, nunquinha, eu nem gostava de ir àquele festival.
E o pior, elas queriam que eu cantasse, sério?
_Eu não vou, não adianta. – Apontei para o calendário. – Vocês têm três semanas para arrumar um presente de Natal, acho bom correrem, soube que ano passado a queima de fogos e o coral deixou as pessoas sem fala.

Sorri de canto e sai do quarto, não queria ouvir mais nada sobre o assunto, desci e fui para a cozinha, mamãe estava preparando biscoitos de chocolate quando o telefone tocou.
_Atende pra mim Vi.
Obedeci e assim que atendi ouvi a voz dele, meu vôzinho Carlos.
_Alô. – Ele disse.
_Vovô! – Exclamei. – Que saudade, a gente não se fala a ... dois dias?
Rimos os dois, era tão gostoso ouvir a voz do meu vôzinho, quando eu era mais nova ele morava aqui pertinho de casa, eu ia lá todos os dias conversar, meu avô é o maior contador de histórias do mundo e ficar horas e horas tagarelando com ele sempre foi o meu passatempo preferido, mas ano passado ele foi morar perto da minha tia Clara, por que ele estava um pouco doente e ela tem mais tempo do que os meus pais para cuidar dele.
_Como está o neném do vovô?
_Ah que neném? – Perguntei. – A sua neta caçula já tem nove anos de idade.
_Mais é claro que tem, mas para o vovô... – Ele tossiu. – Sempre será um neném.
Sorri ao ouvir aquilo, como eu gostava.
_Vô, o senhor vem para a ceia, não vem?
_Acredito que sim meu amor, como estão os preparativos?
_Bom, já enfeitamos tudo, Roberta está ajudando no festival.
_Que maravilha, a nossa Bebeta é muito inteligente não é?
Virei os olhos e tive que concordar.
_Sim, ela é, mas teve uma ideia boba vovô, ela quer que eu cante, na frente da cidade inteira.
_E você aceitou, é claro.
_É claro que não né, que vergonha.
Ele riu do outro lado e tossiu mais uma vez.
_Vovô, o senhor está bem mesmo?
_Estou sim minha pequena, pode passar para a sua mãe?
_Sim, venha para o natal, está bem?
_Eu vou.
Chamei a mamãe, ela pegou o telefone e me pediu para vigiar os biscoitos, eu fui, mas antes dei uma olhadinha nela, não parecia muito contente ao falar com vovô.
Eu achei que ele não fosse vir para esse natal, ouvi a algum tempo que vovô estava doente, mas não queria que fosse verdade, então passei a fingir que não era, naquela noite eu entrei no meu quarto escuro e comecei a chorar.
_Por que está chorando Vi? – Radius perguntou, ela sempre aparecia quando eu precisava dela.
_Eu quero estar com o vovô nesse natal e em todos os natais da minha vida.
_Ele está longe?
_Não é isso. – Enxuguei o meu rosto. – Meu vovô é bem velinho Radius, sabe ele já tem um neto de quarenta anos.
Ela ficou surpresa, mas era verdade, meu primo Teodoro já tem quarenta anos e dois filhos mais velhos que eu, por isso vovô me chamava sempre de neném, eu era mesmo a bebezinha da família, a caçulinha dele.
_Ele está velinho então.
_Está sim. – Eu disse. – E está doente também, tenho medo que antes do natal...
Fiquei em silêncio, não queria dizer mais nada.
_Vi, sabe qual é a coisa mais linda do natal?
Fiz que não com a cabeça.
_É que nessa data todas as pessoas falam o que sentem de mais bonito pelas outras, não guarde o que você tem aí dentro, coloque em palavras, a sua mágica pode te ajudar.
_Como assim?
_Hm... – Ela pensou um pouco. – Tem alguma coisa que você faça, que seu avô adore?
_Vovô... – Pensei um pouco. – Vovô adora me ouvi cantar...
_Então componha uma música pra ele, já vi você fazer isso antes.
Sorri e corei um pouco, ela quis dizer que eu era talentosa não é?
Não pensei duas vezes, abri a porta do quarto da minha irmã, ela e Camila ainda estavam lá.
_Vocês duas! – Eu disse. – Já encontraram o presente de natal?
_Não. – Disseram em coro, desanimadas.
_Então serei eu.
_O que? – Perguntaram juntas mais uma vez.
_Vocês ouviram, mas tem uma condição, eu vou escrever a música, Lucas vai me ajudar com o arranjo, vou ensaiar sozinha.
Elas se olharam receosas, então minha irmã disse.
_Então, confiamos em você.
Concordei e sai do quarto, bati na testa e pensei:
‘O que é que eu to fazendo?’
Ouvi quando Camila disse lá dentro do quarto.
_Mas a gente vaia arrumar ela, de qualquer jeito.
Lucas e eu trabalhamos na música durante duas semanas, eu escrevi a letra e ele me ajudou no arranjo. No teste final convidei Larissa para assistir, no fim da música ela estava cheia de lágrimas.
_Minha irmã é mesmo uma manteiga. – Lucas disse.
Eu sorri para ela, olhei para a letra da música e também senti vontade de chorar, respirei fundo e fui pra casa, quando estava chegando vi o carro da tia parado em frente, meu coração gelou e então eu entrei.
Estavam todos na sala, menos papai, que estava trabalhando. Minha tia veio com meus dois primos gêmeos de quinze anos e vovô, Roberta já estava pendurada em seu pescoço, entrei bem devagar e quando vi que ele estava sentado em uma cadeira de rodas minhas pernas tremeram, ele olhou diretamente para mim e sorriu.
_Meu neném. – Ele disse.
_Oi... – Falei, fiquei parada sem reação.
Mamãe se aproximou de mim e disse:
_Vovô está bem, ele só precisa de um abraço bem apertado.
Concordei com a cabeça, fui até ele e o abracei bem forte, ele não me apertou muito, acredito que não tinha tanta força assim.
_Ouvi dizer que vai cantar na frente da cidade esse ano. – Cochichou no me ouvido.
Concordei com a cabeça assim que olhei pra ele.
_Vou cantar para o senhor vovô.
Vi seus olhos marejados e dessa vez eu consegui sorrir de verdade.
Passei a tarde toda ao seu lado, enquanto todos preparavam as coisas para o natal e meus primos ficavam falando sobre a escola com minha irmã (fala sério, que gente chata) eu só queria ouvir as histórias do vovô. Foi divertido até mamãe cortar o meu barato dizendo que ele precisava descansar.
Vovô ficou no quarto dos meus pais e eu ia lá a cada minuto ver se ele estava bem, enquanto o observava um filme se passava em minha cabeça, todos os passeios em seus ombros, todas as vezes que eu cantava enquanto ele tocava flauta, todas as vezes que eu o enchia de cócegas e rolávamos juntos pela grama.
_Vi. – Era radius, sentadinha no meu ombro.
_Sim?
_Está na hora de criar novas memórias.
Concordei com a cabeça, estava mesmo.
O festival era dia vinte e três de dezembro, Camila, Larissa e Roberta começaram a me enfeitar cedo, eu concordei que elas fizessem isso em troca da música ser um segredo total.
_Estou ansiosa para ouvir a música. – Camila disse enquanto amarrava algo em meu cabelo.
_Vocês vão amar de verdade. – Larissa disse. – Eu só pensei no Izumi enquanto ela cantava.
_Então... – Roberta parou de arrumar meu vestido. – É uma música romântica Vitória?
_Depende... – Respondi enquanto elas me soltavam.
_Como assim? – Camila perguntou.
Fui até o espelho, fiz a maior careta do mundo, respirei fundo e tive que aceitar, meu vestidinho vermelho com branco contrastava com o enorme laço verde preso no meu cabelo, com Camila era assim, tudo ou nada.
_É uma música especial. – Eu disse. – Para uma pessoa especial. – Olhei para Roberta, pela cara que ela fez com certeza entendeu.
Quando descemos todos estavam esperando na sala, menos vovô.
_Cadê o vovô? – Perguntei.
_Vi, ele não vai. – Mamãe disse.
_O que? – Minha vontade foi de me desarrumar toda, tirar o laço, o vestido, deitar na minha cama e chorar, corri para a varanda, Roberta veio atrás de mim.
_Vi espera! – Ela disse.
_Não vou mais cantar, do que vai adiantar? Ele não vai ouvir, os desejos de natal, são todos para ele.
_Vi você sabe, você sabe que tem um jeito de ele ouvir, tem um jeito de ele ver também.
Olhei para Roberta, ela sorria docemente, passou as duas mãos no meu rosto e disse.
_Magia Vi, use a sua magia.
_A minha... magia... – Olhei para minhas mãos, apertei com força, fiz uma última visita ao vovô antes de ir. – Vovô...
_Meu neném, venha aqui... – Ele me chamou, estava deitado na cama, sentei ao seu lado. – Me desculpe não poder te assistir hoje.
_Quem disse que não vai? – Perguntei.
_Como assim?
_Vovô essa noite vão cair luzes do Céu, elas vão aqui no quarto, o senhor pode aguentar um pouquinho?
_Não vou dormir minha pequena.
_Então eu vou estar aqui. – Selei seu rosto. – E esse vai ser o meu presente de Natal para o senhor.
Vovô sorriu, não perguntou nada, o que facilitou um pouco as coisas.
A praça estava lotada de pessoas, Camila era a apresentadora, tivemos um coral de crianças da catequese e também da igreja evangélica. O prefeito fez um discurso muito chato e depois o padre e o pastor se uniram para passar uma linda mensagem. As demais apresentações foram bem legais, mas todos estavam esperando mesmo o presente de Natal, a última apresentação, que esse ano seria eu.
Fui anunciada, quando entrei no palco todos estavam em silêncio, esperando pelo que ia fazer, peguei o microfone e comecei.
‘Nesse ano me pediram para cantar uma música de presente a Carmelinho, no início eu não aceitei não, mas uma pessoa especial disse que seria lindo se eu cantasse, e talvez esse seja o último natal que eu vou ter com essa pessoa, a música fala sobre três desejos de Natal, é o meu presente para vocês, mas é principalmente o presente que vocês irão dar para as pessoas que vocês mais amam, é também o presente de Natal especial para o meu vovô.’
Coloquei a mão no peito, mentalizei o quarto onde meu avô estava, quando abri os olhos eu pude ver ele, parecia surpreso, então ele também estava me vendo, acenei discretamente, Roberta conseguiu chegar a tempo no quarto, ela sentou ao lado dele e eu vi os dois conversando, ele olhou para mim novamente e então a música começou, vovô encostou no travesseiro, eu segurei o microfone bem firme e cantei.
-Versão de Wish Tree do Red Velvet-

As luzes brilham através das janelas.
As ruas quentes de primavera.
Trazem alegria que contagia a cada um.
De pouco em pouco.

Até os bebês que estavam chorando.
Nessa noite vão sonhar.
Flores estão nascendo e é tão quente.
Mas está nevando em algum lugar.

Entre todas as estações.
Vamos juntar nossas mãos.
E fazer um pedido de amor.

O primeiro desejo é para que você e eu, sejamos felizes.
No segundo, desejo, eu peço que estejamos juntos, em vários natais.
O terceiro desejo é para que os dois primeiros, se tornem reais.

As Crianças estão fazendo fila.
Para encontrar o Papai Noel
Olhos cintilando, sorrisos brilhantes
Também sou assim, confesso a vocês.

Em cima dos biscoitos que mamãe fez.
E da árvore de natal.
Está a minha estrela, a mais brilhante.
Que me faz sonhar tão confiante.

Entre toda essa tradição.
Vamos juntar nossas mãos.
E fazer um pedido de amor.

O primeiro desejo é para que você e eu, sejamos felizes.
No segundo, desejo, eu peço que estejamos juntos, em vários natais.
O terceiro desejo é para que os dois primeiros, se tornem reais.

Você é como um anjo.
Que sempre está aqui.
E é pra você todo meu amor.

O primeiro desejo é para que você e eu, sejamos felizes.
No segundo, desejo, eu peço que estejamos juntos, em vários natais.
O terceiro desejo é para que os dois primeiros, se tornem reais.

No final luzes começaram a cair do céu, eram as minhas luzinhas especiais, Roberta disse que elas também estavam caindo dentro do quarto do vovô, ouvi os aplausos de todos os moradores de Carmelinho, eles tinha gostado pra valer, e pelas lágrimas da minha mãe eu tive a certeza que passei a mensagem certa.
Assim que cheguei em casa corri para o quarto dela, vovô estava me esperando, sentei na beira da cama e perguntei:
_E então, eu cantei bem?
_Mais do que bem meu amor.
Olhei para sua mão estava fechada.
_O que é?
_Ah, uma daquelas luzes que caíram aqui, Roberta disse que era um truque seu.
Fiquei um pouco sem graça.
_Quero guardar, para sempre. – Ele disse.
Meus olhos ficaram marejados nesse momento, corri do quarto, peguei uma garrafinha pura na cozinha e voltei.
_Não seja por isso. – Eu disse bem determinada, soprei dentro da garrafinha e milhares de luzes apareceram, tampei com cuidado. – Minha luz é sua vovô, para sempre.
Ele abraçou a garrafinha e me abraçou em seguida.
_Não vai, me perguntar sobre...
_Não. – Ele disse. – Roberta me explicou que era algo muito especial, mas que era um segredo de vocês e eu confio nas minhas netas, quando for a hora certa, você vai ser a primeira a me contar, mas se te pediram segredo Vitória, você tem que guardar.
Vovô tinha as palavras certas, eu queria muito contar tudo pra ele, mas não contei.
A ceia de natal foi mais do que especial, alguma coisa mágica realmente aconteceu, meu avô levantou da cadeira e se juntou à nós na mesa, todos os filhos e netos apareceram e aquele foi sem dúvidas o melhor natal da minha vida.
Durante o jantar eu olhei pra ele, todo sorridente.
‘Espero que os três desejos se realizem vovô.’ – Pensei.
Ele olhou pra mim e piscou, daquele jeitinho faceiro e brincalhão que ele tinha.
Senti um calorzinho gostoso no meu coração, e soube que eu deveria aproveitar cada segundo ao seu lado, e que ele estaria sempre comigo, aqui dentro do meu coração.

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